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Vivendo a ética do Yoga .::. Pedro Kupfer

Atualizado: 26 de mai. de 2022


Este é um assunto importante e delicado, que sempre se menosprezou. Ao que parece, os yogis do século XXI estão tão ocupados nos seus misteres, que esqueceram ou passaram a considerar desnecessário deter-se em detalhes aparentemente insignificantes como não mentir ou cultivar o contentamento.

Professor Pedro Kupfer

No Yoga como forma de viver, a ética sempre foi um assunto importante e delicado, que infelizmente é bastante menosprezado na atualidade.

Porém, ao que parece, a imensa maioria dos yogis do século XXI estão tão absorvidos nas redes sociais que passaram a considerar desnecessário detalhes insignificantes como cultivar a veracidade, a não-violência ou o contentamento.

Se você não tiver tempo ou disposição para agir conforme a ética do Yoga, tampouco terá tempo nem atitude para praticá-lo. Por outro lado, é desconfortável falar sobre estes assuntos, porque ninguém gosta de reconhecer-se como mentiroso ou ladrão, para dar os exemplos mais desagradáveis. Ao invés de ver quem vai atirar a primeira pedra, lembremos que yama e niyama são os dois primeiros passos da caminhada, condição indispensável para que a prática dê resultados concretos.


Yama significa controle ou domínio. É o pontapé inicial. Os yamas são as cinco proscrições: não usar nenhum tipo de violência (ahimsá); falar a verdade (satya); não roubar (asteya); não desvirtuar a sexualidade (brahmacharya); e não se apegar (aparigraha). Esses refreamentos pretendem purificar o yogin, aniquilar a subjectividade advinda do egocentrismo e prepará-lo para os estágios seguintes. Desempenham o controle dos impulsos naturais, que se manifestam através dos cinco órgãos de acção (karmendriyas): braços, pernas, boca, órgãos sexuais e excretores. Niyama, as prescrições psicofísicas, compreendem cinco disciplinas: a purificação (shauchan); o contentamento (santosha); a austeridade ou o esforço sobre si próprio (tapas); o estudo das escrituras do Yoga e de si próprio (swádhyáya); e a consagração a Íshvara, o arquétipo do yogi perfeito (Íshvara pranidhána). Essas atitudes cumprem a função de domínio sobre os cinco órgãos da percepção (jñánendriyas): olhos, ouvidos, nariz, língua e pele. Esse controle dos sentidos aponta à organização da vida pessoal do praticante. Ahimsá, a não-violência, entende-se como não matar, não agredir, nem causar nenhum tipo de dor a nenhum ser vivo. Os outros quatro yamas são corolários, consequências naturais da não-violência. Vyasa, comentando o sútra II: 30 de Patañjali, diz:

Ahimsá é abster-se de ferir qualquer ser, a qualquer momento e de qualquer maneira. A verdade e as outras formas de refreamento e observâncias se baseiam no espírito da não-violência.

Satya, a verdade, consiste em fazer coincidir pensamentos, palavras e actos, o que deve entender-se como evitar a falsidade em todas suas formas, tanto nas relações do yogin com as pessoas quanto dele consigo próprio. Satya é procurar sempre a verdade, independentemente de aonde essa busca possa nos levar. Entretanto, Vyása esclarece:

A palavra pronunciada com o propósito de comunicar o próprio pensamento a outrem é verdadeira, desde que não engane ou confunda. A palavra deve pronunciar-se não para ferir, mas para beneficiar. Porque, se ferir, não produzirá harmonia, apenas sofrimento. Ou seja: a verdade, por mais verdadeira que seja, não dói. Asteya significa não roubar, não cobiçar ou invejar bens ou conquistas de outrem. Não é apenas não roubar, mas eliminar totalmente o impulso de apoderar-se de objectos (ou ideias) alheios. Vyása ensina:

Steya significa pegar ilegalmente coisas pertencentes a outrem. Asteya é abstenção dessas tendências, mesmo que em pensamento.

Brahmacharya, o não desvirtuamento da sexualidade, pode interpretar-se tanto como total e absoluta abstinência sexual quanto não dissipação da energia através do orgasmo. Em ambos os casos pretende-se, embora por meios diferentes, refrear a força geradora, a fim de entesourá-la para a evolução no sádhana.


Emprega-se hoje a palavra brahmacharya com o significado de casto, mas a castidade é uma noção ambígua. Nenhum homem é casto, já que de uma maneira ou de outra emite periodicamente seu sémen, nem que seja dormindo. O que é proibido ao brahmacharin não são as práticas sexuais, são os vínculos e particularmente os actos reprodutores, que, por suas consequências, o ligam à sociedade, privando-o da sua liberdade. O brahmacharin não deve ter relacionamentos que impliquem riscos de concepção. Deve ser, de qualquer modo, económico com seu sémen, consagrando-se ao estudo. Alain Daniélou, Shiva e Dionisos, p. 98. Aparigraha, a não possessividade, traduz-se em generosidade e desapego em relação não apenas aos bens materiais, mas também às relações afectivas. O apego nos tira da sintonia necessária para praticar. Vyása esclarece:


Aparigraha significa desistir de cobiçar, considerando que a cobiça e o acumulo causam problemas, que as coisas estão sujeitas à decadência e que a associação com elas causa desconfiança e rancor.

Shauchan é a purificação. A purificação externa inclui alimentação vegetariana, exercícios de purificação orgânica (como a lavagem das vias respiratórias e dos aparelhos digestivo e excretor), e manter limpo o ambiente em que se vive. Um organismo poluído por hábitos impróprios como o uso de drogas ou alimentação intoxicante gera comportamentos e condicionamentos contraproducentes para a prática do Yoga. A purificação interna inclui a eliminação das impurezas do pensamento. As técnicas mais refinadas de purificação são tattwa shuddhi e chitta shuddhi (antar mouna). Santosha, o contentamento, consiste em cultivar um estado interior de permanente alegria, independentemente das circunstâncias externas, o que facilitará muito o progresso na prática. Lembre que o melhor surfista não é o que surfa a maior onda: é o que tem o maior sorriso nos lábios. O melhor yogi não é o que faz o exercício mais complicado: é aquele que sabe viver melhor sua vida (o que está estreitamente vinculado com o tamanho do sorriso). Tapas é calor, ascese, determinação, força de vontade concentrada, austeridade, esforço sobre si próprio: "produz a destruição das impurezas, o que conduz ao aperfeiçoamento da sensibilidade corporal". O objectivo desse esforço sobre si próprio é atingir um estado de purificação que permita ao indivíduo tomar posse do seu corpo, indo além dos limites impostos pela percepção limitada da realidade. "Uma linguagem que não fira, verídica, amigável e benéfica, o estudo regular das escrituras, tal é o tapas da palavra. A serenidade e clareza de espírito, a doçura, o silêncio, o auto-domínio, a total purificação do carácter, tal é o tapas consciente." Swádhyáya é o estudo da metafísica do Yoga e de si próprio; abrange não apenas o auto conhecimento através da reflexão sobre a sabedoria das escrituras (shastras), mas também a aplicação prática desse conhecimento. O swádhyáya alarga os horizontes do intelecto, enriquece e estimula a prática. O japa, a repetição de um mantra com fins de meditação, também pode considerar-se swádhyáya. Diz o Vishnu Purána, VI:6.2:


Do estudo deve-se passar ao Yoga. Do Yoga deve-se passar ao estudo. Pela perfeição no estudo e no Yoga,

a Consciência Suprema se manifesta. O estudo é um olho com o qual o Ser se percebe. O Yoga é o outro.

Íshvara pranidhána, é a consagração a Íshvara (Senhor), entendido como o arquétipo do yogi, o modelo ideal a ser seguido pelo praticante. Íshvara pranidhána também significa entregar as acções e seus frutos a uma vontade superior à própria. Pode entender-se como auto-aceitação no momento presente ou ainda como serviço à Humanidade. A melhor definição de Íshvara pranidhána está na Bhagavad Gítá:


Bhavitam bhavati eva. "Aquilo que tiver que ser, será".


Esse mesmo shástra ainda afirma que "o seu dever é agir, sem procurar recompensas pelo que você faz". Íshvara pranidhána pode também incluir práticas que tenham como resultado o controle dos órgãos dos sentidos. Por exemplo, a prática de ásanas pode ser usada para controlar as mãos e os pés, o que vai facilitar a permanência nas posições sentadas. Poucos livros ou escolas de Yoga hoje em dia, e ainda menos no Ocidente, dedicam-se a ensinar os yamas e niyamas. Uma pequena reflexão sobre eles revela sua importância na manutenção da "ecologia" social e individual. Através da prática destes preceitos se estabelece uma convivência pacífica, harmoniosa e feliz na sociedade. É por essa razão que Patañjali os chama sárvabhauma, supremos ou universais, pois eles valem para todas as pessoas e em todas as circunstâncias. Se diz que o Yoga torna o indivíduo egoísta e apolítico. Mas, o que verdadeiramente acontece, é que o Yoga desprograma os condicionamentos resultantes das ideologias, as tradições ou os valores impostos pela sociedade. Ensina o indivíduo a ser ele mesmo e dá uma liberdade que está além dos preconceitos e formas de comportamento estabelecidas pela sociedade. Paradoxalmente, desenvolve ao mesmo tempo uma consciência de solidariedade com a sociedade em que o indivíduo percebe o planeta e a raça humana como uma unidade. É uma verdadeira revolução interior. Cada parte do Yoga tem um propósito definido. Esses dois primeiros passos não são específicos dele, mas configuram uma base de purificação mental, psíquica e física que resultará indispensável nas etapas posteriores. O Yoga não é moral nem moralizante: estas prescrições possuem uma função meramente utilitária e, embora possam funcionar como códigos para facilitar a convivência social, somente se praticam em função do objectivo final. Os conceitos do Bem e do Mal não determinam a conduta do yogin; a única causa do seu comportamento é o titânico esforço sobre si próprio necessário para viver os yamas e niyamas, e o resultado desse esforço, a libertação que consegue pelo samádhi. A primeira palavra que aparece no Yoga Sútra é atha, que significa agora. Agora, a seguir, depois que algo já foi ensinado. Isso, porque o Yoga não é para iniciantes. Por isso que existem os yamas e niyamas. Você não conseguiria, e praticamente ninguém, segui-los à risca. Mas mesmo assim pode usar o Yoga. Porque está escrito nas Upanishads:


Yata Brahmande tata pindade. "Assim como é no Universo, assim é também no ser".


Essa última afirmação pode parecer misteriosa. Mas, como colocar realmente os yamas e niyamas em prática? Talvez você possa concordar comigo em que discorrer sobre a ética é teoricamente muito interessante, mas impossível de aplicar-se na prática por seres humanos normais, porque os yamas e niyamas são para santos, mas o Yoga é para gente como nós. Na verdade, você não precisa seguir todos os yamas e niyamas ao mesmo tempo. Escolha apenas um, e mantenha-o a qualquer preço. Os outros virão sozinhos. Pessoalmente, escolhi satya, a verdade. Nós mentimos o tempo todo, sem perceber, gratuitamente. Mentimos para a nossa família, para os nossos amigos, para as pessoas com quem nos relacionamos no dia-a-dia e, principalmente, para nós mesmos. E, quanto mais se mente, mais se reforça o vritti e o hábito de mentir, o que é um obstáculo intransponível se se quiser realmente avançar na prática. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein disse que "quem sabe demais acha difícil não ter que mentir". Em certas circunstâncias, ele tem razão: às vezes, a responsabilidade de lidar com a verdade pesa bastante. Mas isso não significa que você passará a usar a "verdade" para agredir os outros "por seu próprio bem". Porque a verdade pura, aquela que vêm do coração, não machuca nem dói. Vou lhe contar a história do ladrão e o rei.


A história do ladrão e o rei


Uma vez, um ladrão quis aprender Yoga. Foi visitar um mestre e disse-lhe que queria praticar, mas que era ladrão, bêbado e mentiroso. O mestre falou dos yamas e niyamas, e disse que, para começar, deveria escolher um yama ou um niyama e ater-se a ele. O ladrão pensou: "minha profissão é roubar. É o que sustenta a minha família, portanto, fora de questão seguir asteya. A bebida é a minha única fonte de prazer, e tampouco vou largá-la. Ou seja, que nem shauchan nem tapas. Mas, deixar de mentir não vai me custar tanto. Vou seguir satya." E assim foi que ele decidiu falar somente a verdade. Uma noite, o nosso ladrão foi roubar o palácio real. Eis que o rei estava passeando pelo jardim após um dia entediante, buscando algo que lhe tirasse o vazio existencial. Os dois se encontraram e o rei pergunta: "quem é você?". O ladrão disse a verdade: "sou um ladrão e vim roubar o tesouro real. O rei viu ali a possibilidade de viver a emoção e a aventura que estava procurando desde cedo, e então falou: "eu também sou um ladrão. E sei onde se guarda a chave da sala do tesouro. Façamos juntos o trabalho e dividamos o lucro". O ladrão concordou. Os dois aventureiros entram no palácio, chegam na sala e dividem o tesouro. Porém, acham três enormes diamantes, que não podem ser divididos sem beneficiar um deles mais do que o outro. O ladrão, apelando para aquela generosidade que ocasionalmente conseguem ter os da sua profissão, diz: "fiquemos com um diamante cada, e deixemos o terceiro para o rei. Afinal, coitado, ele acabou de perder tudo." Ao separar-se no jardim, o rei pergunta ao ladrão onde ele mora, e fala da possibilidade de contatá-lo novamente para futuros "trabalhos". O ladrão fala a verdade. No dia seguinte, o rei vislumbra a possibilidade de testar seu primeiro-ministro. Chama-o e diz: "ontem à noite tive um sonho estranho. Sonhei que o tesouro fora roubado. Vá à sala conferir, pois um pressentimento está oprimindo meu coração." O ministro entra na sala, vê o diamante que sobrou e pensa: "o nosso rei perdeu absolutamente tudo. Este único diamante não fará nenhuma diferença". Esconde a pedra preciosa sob a túnica e volta à sala do trono, dizendo que, efectivamente, o tesouro inteiro foi roubado. O rei manda prender o ladrão. Ao ser interrogado na frente do ministro, conta o acontecido: desde o encontro com o "colega" de profissão até o detalhe do diamante que eles deixaram na sala. Desta forma, o rei descobre que o seu ministro não é de confiança, pois mente e rouba. Manda prendê-lo imediatamente. E, em seu lugar, nomeia primeiro-ministro seu novo amigo, o ladrão. Este, dada a sua nova ocupação, deixou de roubar. E, como passou a ter outros prazeres, deixou igualmente de beber. Ou seja, se você também escolher e seguir apenas um dos yamas e niyamas, os outros acontecerão sozinhos. Se quiser, tome essa escolha como um exercício temporário, digamos durante algumas horas, dias ou semanas, para observar a suas próprias reacções. Se, por exemplo, você escolheu seguir a não-violência e sentiu dificuldades, ou não ficou conforme com o resultado, há ainda as outras possibilidades. Depois que você conseguir a firme resolução de continuar com a sua decisão, verá que fica mais e mais fácil mantê-la, em qualquer circunstância. O convite está feito. Mas lembre que isto deve ser tomado como puro sádhana no dia a dia, e que deve servir como objecto de observação de si próprio, a cada momento, para treinar e testar o seu nível de consciência e a sua atenção, e ver como você reage ao seu próprio Karma. E o que é o Karma, então?


Karma é liberdade

Karma é o resultado das acções, a lei de causa e efeito. Acção e reacção configuram dois aspectos da mesma realidade. A noção de karma não tem nada a ver com fatalismo ou determinismo (embora o efeito esteja potencialmente contido na sua causa): muito pelo contrário, é uma realidade que pode ser modificada, uma sorte de destino maleável. Swami Vivekánanda definiu o karma como

"A eterna afirmação da liberdade humana. Nossos pensamentos, nossas palavras, nossos actos, são fios de uma rede que tecemos ao redor de nós mesmos."

Controlar o karma é ser senhor de si próprio. Isso se faz através da prática constante de yama e niyama. O primeiro passo é tomar consciência de que ele existe, analisá-lo e estudar como criamos o nosso próprio destino. Assim poderemos evitar as coisas que nos fazem mal e atrair as que nos fazem bem. Temos que aprender a reconhecer as nossas tendências, que se pautam pelo samskára, o conjunto das latências subconscientes. Isso não significa apenas ser saudável e feliz, ou ter uma relação harmónica com as pessoas e o meio em que se vive. Também, conhecendo o nosso karma, podemos nos libertar dele, que é em definitiva o objectivo final da prática.

Você não deve deixar que as coisas "aconteçam" consigo. Afirma Vyasa:


As coisas fortuitas não colocam a Natureza em movimento. Apenas a remoção dos obstáculos permite que ela se manifeste, como o agricultor que remove as barreiras para que as águas possam fluir.

Removidos os obstáculos, a Natureza se desvela. Ser virtuoso pela virtude em si, não traz o samádhi nem faz com que a verdadeira natureza, escondida sob o samskára, se manifeste. A virtude não é o que irá produzir a evolução. A virtude é apenas uma consequência. O efeito não determina a causa. É determinado por ela. Por exemplo, o poder de ouvir é a causa. O que se ouve, o efeito. O acto de ouvir não é a causa material da audição. O poder de agir em consonância com a Natureza é a causa. A acção correcta, a consequência. Os rituais colectivos, como o agnihotra, transformam os karmas colectivos. O sádhana tem como objectivo sutilizar o karma individual. Libertar-se do próprio karma é a maior e mais ambiciosa tarefa que um homem pode empreender. O Purusha, a parte mais profunda de nós mesmos, é igualmente o axis mundi, o ponto central do Universo. Se tomarmos consciência da nossa verdadeira natureza, o Universo responderá em consonância. Os objectivos se conseguem afinando-se com a natureza da Natureza. É a natureza da Natureza se alcança usando os yamas e niyamas.· Mas aqui temos um paradoxo: o yogi que consegue aniquilar o seu karma, em verdade não é livre, pois tem uma única opção: agir em consonância com a Natureza. Eliminar o karma não significa renunciar às coisas do mundo, mas ir além dos condicionamentos que nos atam a ele e nos fazem pensar que a felicidade depende das coisas que vêm de fora. Para isso, é fundamental entender o Karma Yoga, método que busca a realização pela da acção desinteressada, sem considerar seus resultados. O shástra que ensina esta forma de Yoga é a Bhagavad Gítá, em que Vishnu, encarnado como Krishna, ensina o príncipe Arjuna a viver em harmonia com o karma, a lei universal, e o dharma, a lei humana, tendo como pano de fundo a terrível guerra travada entre duas famílias reais, primas entre si: os Pándavas e os Kauravas. Esse confronto simboliza a dialética da vida. Arjuna se nega a matar pessoas do seu próprio sangue, refugiando-se numa renúncia mal entendida. Entretanto, é convencido por Krishna sobre a inevitabilidade da acção, pois, desde que o homem está vivo, está sujeito à lei do karma, sendo-lhe impossível fugir à acção. Renunciar não significa subtrair-se à vida, isolar-se do mundo e da sociedade:

A má acção, como dizem os hindus, não é viver no tempo, mas acreditar que não existe nada mais fora dele. É-se devorado pelo tempo, pela História, não porque se vive no tempo, mas porque se crê na realidade do tempo e, por esse motivo, esquecemo-nos ou desprezamos a eternidade. Mircéa Éliade, Mitos, sonhos e mistérios, p. 51. Krishna propõe um Yoga em que acção e contemplação estão intrinsecamente ligadas. O que é necessário fazer é viver a própria vida executando as acções cabíveis a si mesmo, eliminando o apego aos seus resultados. Numa palavra, traz o Yoga para a vida secular, para aqueles que não podem renunciar às suas responsabilidades humanas:


Ó Arjuna, aquele que, mantendo os sentidos sob o controle da faculdade mental, se empenha desinteressadamente com os órgãos da acção no Yoga da acção, esse é eminentemente superior. Portanto, realiza a acção a ti prescrita, pois a acção é superior à inacção: mesmo tua vida física não saberia sobreviver sem acção.

Bhagavad Gítá, III:6-8. Ser yogi não significa obcecar-se com a técnica, mas esforçar-se para que a perfeição flua através de todos os actos, mantendo sempre uma atitude positiva e aberta, evitando fechar-se em fórmulas rígidas. Ou seja, a iluminação está aqui mesmo, e pode conseguir-se lavando a louça ou fazendo qualquer outra actividade: fazendo o que você tem que fazer! Diz o sábio Vasishtha:


Toda a criação é paz, infinita e eterna. Veja a infinita consciência em tudo e fique em paz. Yoga é a cessação das experiências dos objectos. Fique no estado de Yoga e faça o que você tem que fazer. Fique no estado de Yoga e viva.

Laghu Yoga Vasishtha, CXXVI: 78.

O importante é possuir mais disposição interior para viver e trabalhar, ser mais consciente e superar-se, mas sem que isto se transforme numa compulsão. A cada dia oportunidades nos são oferecidas para aprender a superar-nos: não as deixemos passar. Ao mesmo tempo, lembre de não confundir atitude positiva com virtudes positivas. Convém manter uma disposição positiva, sem necessariamente ser inofensivo, bonzinho ou indulgente demais. Em determinadas circunstâncias, uma atitude firme acaba sendo mais sadia ou rendendo mais frutos que o excesso de bondade.


texto de Professor Pedro Kupfer

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